16 agosto 2005

a lucidez perigosa

vivo encontrando textos, trechos que têm a ver comigo, com os quais me identifico e, inclusive, gostaria de ter escrito. esse texto da clarice é um deles.

"Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.

Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
– já me aconteceu antes.

Pois sei que
– em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade
– essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém."
(Clarice Lispector)


é muito estranha e, ao mesmo tempo, tão familiar essa sensação de, quase o tempo todo, presenciar os acontecimentos da vida de forma tão alheia. sempre com a consciência do todo, observando tudo, apreendendo até mesmo o que é triste, até mesmo o que faz sofrer.
talvez seja o preço que se paga por querer melhorar e crescer. a consciência. esse poder de sempre conseguir enxergar um problema de fora e ser obrigado à sensatez.
entretanto, o mais irônico, é que tamanha lucidez não “serve pra viver os dias” porque caleja demais, traz à realidade demais. e em meio às esperanças do mundo, às pessoas cheias de quereres, nos faz passar por loucos, desesperançosos.
mas e sem minha lucidez? talvez não houvesse meio de sair a rua, talvez houvesse medo demais, mentira demais pra mim.
e é caminho sem volta (?)
que haja meio termo,
que haja meio termo,
amém.

Um comentário:

Frederico Bernis disse...

Isso me lembra DOGVILLE. E no filme não houve meio termo.